sexta-feira, 14 de novembro de 2008

O QUE É PRECISO PARA AVALIAR?


Difícil de gerir, difícil de mudar, o sector da Educação tem constituído nas últimas décadas um campo de ensaio de um experimentalismo infeliz. Como de nove em nove anos hipotecamos uma geração, a transformação deste espaço em permanente campo de batalha, num processo de desrazões, constitui hoje a mais cara factura que o país terá de pagar ao seu próprio futuro. O processo educativo devia ser uma área de tréguas e consensos, poupada à demagogia e ao aproveitamento político-partidário e protegida de visões sectoriais, seja a do ministério ou a da máquina, seja a das corporações ou a dos sindicatos, seja a dos pais ou a dos alunos.

A avaliação dos professores só faz sentido num sistema que seja capaz de se avaliar a si próprio. Quanto vale um bom professor num mau sistema? Que causas estão na origem do insucesso escolar ou do abandono precoce da escola que possam caber, exclusivamente, numa grelha de avaliação do desempenho do professor? E que factores se mantêm constantes, independentemente da envolvente da escola ou da caracterização social da sua população?

Também não vale a pena querer, no ponto em que nos encontramos, dividir simplisticamente a questão entre aqueles que querem avaliar e aqueles que não querem ser avaliados. Num país onde quase nada é avaliado, onde quase ninguém sofre as consequências dos seus actos (excepto os pobres diabos...), onde se pode deixar, impunemente, falir bancos cuja nacionalização parece um branqueamento, onde a má gestão pública e a incompetência dos decisores políticos não é sequer quantificada economicamente, onde os prémios e outros "estímulos" são assumidos como complementos salariais e as despesas de representação servem para pagar hábitos caros, parece aconselhável falar de avaliação com menos retórica e mais bom senso.

Aceite o salutar princípio da avaliação convenhamos que não é de somenos o modelo adoptado. E aqui, interrogo-me como se avaliam os professores em Inglaterra ou em Espanha (para referir um país latino)? Será que temos que inventar um sistema de avaliação rigorosamente português, inequivocamente original e nosso?

É que connosco tudo começa com um aumento da carga burocrática que só serve para desviar os profissionais daquilo que é o seu verdadeiro conteúdo funcional: é assim com os profissionais de saúde imersos em papelada, ou com os agentes de segurança, amarrados, na melhor das hipóteses, a um teclado de computador e é, também, já assim com os professores. E a experiência ensina-nos que a burocratização da habitualidade e do quotidiano tem em si o germen do fracasso. E quem são os avaliadores? Que perfil devem ter e que capacitação? E quem avalia os avaliadores? E os critérios serão os melhores, e objectivos, como se impõe?

Para tudo isto deve haver uma resposta, imagino eu, mas ou não foi dada ou não está a ser ouvida. Em qualquer dos casos a situação deteriora-se com a opção da rua como o fórum próprio, a tentativa do Governo em transformar este protesto numa fuga à avaliação por parte dos docentes e, o que me parece mais grave, o permanente desviar das atenções, energias e recursos da função principal que é a de educar. E essa é que é a questão. Na batalha campal da avaliação vai-se perdendo tempo, razões e a própria perspectiva do que realmente está em causa e que vai muito para além do que se vê: quem não se lembra de como os sucessivos governos caíram na tentação de tapar as deficiências do sistema educativo com o artifício das estatísticas? E do extraordinário estatuto disciplinar do aluno, aprovado no primeiro Governo de Guterres, que consagrava um aluno visto como um pequeno animal doméstico mal ensinado e retirava aos professores toda a autoridade, componente essencial da dignidade e eficácia do seu magistério? E as medidas facilitistas que foram eliminando provas, esforços e méritos? Fraquezas, tentações e erros que estão, agora, a pagamento.

Maria José Nogueira Pinto in [DN]

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