quarta-feira, 2 de abril de 2008

A justificada revolta dos professores

A construção de um Estado, de uma República e, essencialmente de uma Democracia, depende directa e incontornavelmente da disponibilidade de um sistema de Educação Pública, livre dos condicionalismos religiosos, económicos, sociais ou filosóficos que não os do próprio Estado.
Educação Pública é assim, o garante da democracia no sentido em que cria as condições para a igualdade, para a criação da consciência individual e colectiva, difundindo e alargando o saber. Além desse papel nuclear, a Educação, assume também a missão estratégica de lançar as bases para o desenvolvimento social e económico do país, capacitando a população para o trabalho e para a capacidade criativa que lhe deve estar subjacente.
Num momento em que o reforço das capacidades e da qualidade do Sistema Educativo deveriam constituir verdadeiras prioridades, regista-se precisamente o oposto. Por todos os estabelecimentos de ensino público se vai vivendo sob um clima de profunda instabilidade, a que se junta uma justificada revolta.
A avaliação de professores, imposta pelo Ministério da Educação com prazos manifestamente irrazoáveis e com critérios delirantes, traçados fora do âmbito daquilo que o próprio governo estabelecera vir a ser o Conselho Científico para a Avaliação de Professores colocou professores, conselhos directivos e conselhos pedagógicos numa posição particularmente delicada e leva-os a questionar, no cumprimento do seu papel de órgãos de gestão, as orientações de um Ministério que não respeita a própria lei que produz.

Os tribunais deram razão aos professores na sua exigência de pagamento de horas extraordinárias pelas aulas de substituição que foram obrigados a leccionar e o Ministério insiste politicamente na estratégia de não pagamento, manifestando, no mínimo, uma postura de desconsideração pelo sistema de Justiça e pelo próprio Estado de Direito.
A escola inclusiva está seriamente posta em causa com o novo regime jurídico do Ensino Especial que reduz as necessidades educativas especiais a deficiências permanentes, eliminando o carácter eminentemente pedagógico da indicação das crianças para o ensino especial.
Nem mesmo o Ensino Especializado das Artes escapa a um fogo cerrado que, continuamente, é disparado dos gabinetes do Ministério da Educação. O Governo pretende agora pôr fim ao regime supletivo de frequência do Ensino Especializado da Música sabendo que a Escola Pública não está sequer próxima de preparada para albergar a generalização do Ensino Integrado. Além disso, se de facto alguma necessidade se coloca como imperiosa no plano do Ensino Artístico, é exactamente a de resolver a situação dos professores que se encontram contratados, alguns há mais de dez anos, nos conservatórios sem a possibilidade de integrar os quadros, muito embora exista uma Recomendação da Assembleia da República ao Governo que assim o determina.

Muito ficaria por referir, não fosse tão fácil quanto entrar numa escola para conhecer o que aqui falta escrever. Mas o que resulta inegavelmente do conjunto das políticas que têm sido dirigidas à margem da Lei de Bases do Sistema Educativo é a degradação da qualidade do sistema de ensino público. Fácil é recorrer aos vocábulos da “modernidade”, aos planos mais ou menos tecnológicos, ao papel da “qualificação” e das “novas oportunidades” mas mais difícil parece ser assumir a responsabilidade de respeitar e motivar escola, pais, professores e alunos e promover a qualidade da escola pública, investindo nos meios materiais e humanos para a sua cada vez melhor resposta aos tempos actuais e futuros.

Deputado Miguel Tiago PCP in SOL

Sem comentários: